terça-feira, 15 de julho de 2014

O maior legado da Copa

Chegou ao fim a Copa do Mundo. Belíssima em campo, bem organizada, polêmica nos bastidores, e com um balde de água fria sobre o futebol praticado no “País do Futebol”. Para além dos lindos elefantinhos, que a partir de agora descansam tranquilamente nos mais belos rincões do Brasil, o legado desta Copa é enorme. Não me refiro a um legado material, nem às lições a serem tiradas de nossos vexames em campo. Trata-se de um legado deixado às avessas, principalmente para aqueles que ferrenhamente defendem seu monopólio sobre o esporte mais popular do país.

Menos óbvio e pouco comentado na mídia, o evento serviu para desmistificar a noção cômoda e muito cara às partes interessadas - detentoras dos direitos sobre a transmissão do futebol brasileiro e a instituição organizadora dos campeonatos (não é preciso citar nomes) – de que “não é da cultura do brasileiro ir ao estádio”. Aos torcedores assíduos, peço que neste momento deixem de lado a crítica ao perfil “coxinha” daqueles que precisaram de uma Copa do Mundo para ir pela primeira vez a um estádio. Interessa neste momento frisar que apenas 30% dos ingressos foram vendidos fora do país, e tivemos lotação em média de 98% nos jogos. Como isso foi possível? Qual foi o estímulo novo que levou tanto os torcedores contumazes, quanto entusiastas e até “paraquedistas” a desejarem ir ao estádio, mesmo com os salgados preços dos ingressos?

A qualidade do evento. E qualidade, num torneio de futebol, diz respeito às seguintes esferas: nível técnico dos times, interesse produzido pelo formato do campeonato e facilidade de acesso aos jogos. São estes três quesitos que estimulam desde o torcedor strictu sensu, até o cidadão comum que procura qualquer evento para diversão, a comprar um ingresso.

Inesperadamente, a Copa demonstrou que a teoria de que “não é nossa cultura ir ao estádio” é uma falácia. Há fome de futebol, mas o produto oferecido por aqui é dos mais maltratados. Campeonatos são sistematicamente mal planejados, levando à conclusão de que sejam assim intencionalmente.

Por que? Quem, em sã consciência, deseja organizar e transmitir um evento em que quase tudo acontece ao mesmo tempo? A quem interessa que os grandes jogos aconteçam apenas “depois da novela”? Certamente não é ao torcedor, nem a ninguém que queira ver o futebol brasileiro valorizado, com campeonatos que sejam grandes eventos esportivos, para dar gosto programar-se para ir aos jogos e acompanhar pela tv, nos demais dias, às partidas dos adversários.

O monopólio não permite que jogos sejam espalhados, como na Copa do Mundo e no Campeonato Inglês, ao longo de toda a semana, com partidas de segunda a domingo, em horários que facilitem a ida de qualquer tipo de público ao estádio. Ao contrário, concentram-se majoritariamente em dois dias da semana (quartas e domingos), quase todos no mesmo horário, e apenas dois canais (de uma mesma emissora) definem quais poderão ser transmitidos. Como resultado disso, não é possível, nem mesmo com pay-per-view, assistir a todos os jogos do campeonato, ao contrário do que uma Copa do Mundo ou qualquer torneio bem organizado e não monopolizado permite.

Em poucas palavras, para todos os que hoje “cuidam” do futebol brasileiro, o futebol está em segundo plano, é apenas um meio para tentar vender "o resto".

O maior legado da Copa não são os estádios, não foi o 7 x 1, nem o futebol bem jogado pela Alemanha. O maior de todos foi a prova empírica de que não existe nenhuma “cultura nacional” que justifique o declínio do futebol brasileiro. O que existe é o interesse de uma minoria em um modelo que é o verdadeiro entrave para o pleno crescimento deste esporte que, apesar de todos os pesares, continua sendo o mais popular do país.

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